Nós
estamos conscientes que estamos num tempo de mudanças.
O mundo parece-se sempre mais como uma aldeia global.
Todos os tipos de descobertas em todas as áreas
de conhecimentos trazem mais e mais facilidades para
a vida das pessoas humanas. De outro lado, isso representa
uma ameaça de auto-destruição.
A vida religiosa não está fora dessa
realidade. Nós estamos em contato com diferentes
e muitas vezes conflitantes visões nas áreas
de teologia, pastoral e moral, e de compreensões
de Igreja.
Nosso tempo é um tempo de discernimento, de
busca, de paciência, de diálogo, de abertura
em relação aos sinais da presença
de Deus em cada nova realidade. As sementes da Palavra
estão nas diferentes culturas. Estamos num
tempo de novas possibilidades, de confiar no Espírito,
que faz “novas todas as coisas”.
Muitos valores de referência nos quais muitas
pessoas consagradas nasceram e cresceram não
existem mais. Às novas gerações
aqueles valores são desconhecidos. De outro
lado, um novo sistema referencial de valores éticos,
sociais, religiosos e culturais parece não
estar claro. Parece que estamos vivendo entre o ontem,
que já não existe mais, e o amanhã,
que ainda é desconhecido. Portanto, é
normal que, sob tais circunstâncias, experimentemos
medos, tensões, vemos exageros, ou mesmo, que
tenhamos que enfrentar situações nas
quais nos sentimos totalmente perdidos. O profeta
Jeremias lamenta que, em seu tempo, até os
profetas e sacerdotes não sabiam o que fazer.
Como membros da família salesiana as virtudes
de confiança no Deus que conduz a história
e de humildade estão entre as virtudes salesianas
que devem acompanhar-nos diante de tal situação.
Experimentamos que nós não somos os
salvadores do mundo. Mas nós temos, sim, algo
a oferecer. Eu gostaria e partilhar algumas contribuições
que, ao meu ver, são contribuições
nossas à Igreja e ao povo a quem nós
servimos.
1 – O desafio de permanecer buscando a vontade
de Deus e de ser fiel à mesma – Se existe
algo do qual não podemos desistir é
isto: buscar a vondade de Deus. O mundo de hoje dispõe
de muitas facilidades e recursos que faz nossa vida
diária muitas vezes fácil e prazerosa.
Esses recursos não estavam disponíveis
no passado: computador, meios de comunicação,
internet, facilidade de locomoção, recursos
em nossas casas, etc. Certamente um desafio diário
para nós é o de manter nossa fidelidadae
fazendo a vontade de Deus no meio de todas essas coisas,
com todos esses recursos à nossa disposição.
À minha mente vem a história de São
Francisco de Sales no Teótimo: ele conta a
história do cão de caça, que
corre atrás da lebre: nada o impede de manter-se
no seu rumo, nem pedras, nem montanhas, nem rios,
nem distância, nem cerca. No entanto, há
um risco: no tempo de primavera o risco é que
o perfume das flores e da vegetação
o atraía e o leve a perder o rumo. Significa:
não foram as dificuldades que o impediram de
buscar a meta, mas as facilidades da vida. E nós?
Temos rumo em nossa vida (para SFS é a santidade
de vida, união com Deus)? Mantemo-nos fiéis
a este rumo?
2 – Nova vida vem de fora, vem de Deus –
Creio que todos seguimos, há laguns meses atrás,
o caso dos 33 trabalhadores mineiros no Chile, que
ficaram presos dentro da mina de ouro, a 700 metros
de profundade, por 69 dias. Ele sobreviveram através
do único meio: recebendo tudo o que precisavam
através de um tubo de 10 cm de diâmetro.
Por esse tubo receberam tudo o que necessitavam: comida,
água, ajuda psicológica, apoio espiritual,
etc. Sem esse contato eles não teriam sobrevivido.
Na vida consagrada nossa relação com
Deus é algo semelhante. É o único
meio para sobrevivermos como consagrados(as). Será
que estamaos convictos disso? Significa: a necessidade
essencial e vital para vivermos nossa vida consagrada
é manter essa conexão com Deus, de Quem
tudo recebemos: alimento, luz, orientação,
força para viver como Ele deseja que vivamos.
É uma vida que depende dessa conexão.
Nós não conhecemos o futuro da vida
consagrada, não sabemos como ela vai ser, mas
sabemos, sim, que ela somente será capaz de
viver e de renovar-se se se mantiver essa conexão
com o Autor de nossa vida e Aquele que nos chamou
e nos capacitou para viver o estilo de vida de pessoas
consagradas. Somente seremos capaz de ajudar no renascimento
da vida consagrada se buscarmos constantemente a vida
de união com Deus. Somente ELE é a fonte
da vida nova; somente ELE é capaz de fazer
“novas todas as coisas”. Nós temos
mais a receber do que a dar. Nós temos que
escutar mais do que falar. Do contrário, o
risco é o de construir a casa sobre a areia.
3 – O Diretório Espiritual diante de
nossos olhos e em nossas mãos – “Que
suas palavras vos permaneçam dia e noite diante
dos olhos para meditá-las e sobre os braços
para praticá-las” (Prefácio do
Diretório). Os olhos são as portas de
nossa mente. O que é que nossos olhos mais
vêem em nossa vida diária? Por que os
meios de comunicação têm uma influência
tão ponderosa nas decisões de tantas
pessoas? Porque eles usam exatamente esse meio de
tocar-nos: suas mensagem vêm a nós através
de nossos olhos. Não é sem sentido perguntar-nos:
onde estão meus olhos? Creio que muitas vezes
poderíamos dizer: onde estão meus olhos,
aí está meu coração (porque
aí está também minha mente).
Precisamos, portanto, ter o Diretório diante
de nossos olhos. Mas isso não é suficiente.
Somos chamados a tê-lo em nossas mãos,
para praticá-lo, de modo que nossas obras sejam
guiadas pelo Diretório.
4 – O chamado a reimprimir o Evangelho –
“A sociedade atual precisa disso; a Igreja espera
isso de vocês: ser o Evangelho vivo” (Bento
XVI aos Superiores Maiores).
Somos chamados a “reimprimir o Evangelho”
(Boa Madre). Isso significa: testemunhar ao povo de
Deus que Deus nos ama com amor eterno e nunca nos
abandona. Nunca, mesmo quando tudo parece tão
incerto. Nossas comunidades deveriam ser laboratórios
do encontro verdadeiro entre Deus e o seu povo, uma
resposta àqueles que estão buscando
um sentido para viver e para crer. Reimprimir o Evangelho
significa ajudar o povo a ter vida em plenitude, a
alimentar sua fé, sua vida de união
com Deus, a perceber a presença de Deus em
suas vidas. É oferecer a riqueza da doutrina
salesiana, e ajudá-los na vida de união
com Deus em seu dia a dia. Significa ser presença
viva do Evangelho especialmente pelo testemunho das
Bem-Aventuranças (Mt 5) e do serviço
aos pobres (Mt 25).
Há uma necessidade de apresentar Jesus Cristo
num modo holístico. Isso requer que sejamos
especialistas em humanidade, como Jesus tem sido.
Somente Deus poderia ter sido tão humano como
foi Jesus. Há uma necessidade de cada pessoa
perceber o valor de sua própria vida. Há
uma necessidade de escutar e de acolher pessoas, especialmente
os mais pobres. É uma necessidade urgente humanizar
a sociedade, humanizar no sentido da plenitude de
vida (não o humanismo da sociedade moderna,
que absolutiza o homem, e considera Deus como impecilho
para a plenitude humana). O Papa disse recentemente:
“Deus não é competidor, mas é
nosso companheiro, amigo”. Tudo isso está
incluído quando falamos em reimprimir o Evangelho.
Essa é a tarefa que somos chamados a realizar.
Isso significa em outras palavras, tornar-se companheiros
de viagem na vida de muitas pessoas, aproximando-nos
deles em situações concretas nas quais
elas se encontram pessoalmente, e não em situações
nas quais nós gostaríamos que elas se
encontrassem. Não há nada que mobilize
mais uma pessoa do que sentir-se amada e apreciada
pelos outros.
Isso requer que na formação à
vida consagrada nós levemos em conta o que
o Papa Bento XVI chama de “formação
do coração” na encíclica
Deus caritas est, 31.
No Prefácio do Tratado do Amor de Deus São
Francisco de Sales chama nossa atenção
sobre algo fundamental quando falamos em evangelização
e missão da Igreja. Ele diz que o Espírito
Santo nos conduz a apresentar o Evangelho de modo
que ele toque e “aqueça os corações".
Essa é uma verdade poderosa! A imagem do Espírito
Santo, que vem como línguas de fogo, ratifica
a ideia da eficácia de Sua ação:
queima, aquece e traz vida nova aos corações.
Aqui está um critério que por certo
ajuda-nos a avaliar a eficácia de nosso ministério
pastoral.
5 – Há uma sede de espiritualidade –
Embora cresce o número dos que afirmam que
já não pertencem a nenhum credo religioso,
há, no entanto, um crescimento no número
de expressões e movimentos que fazem da experiência
espiritual uma experiência significativa para
suas vidas. Vemos hoje que diversos movimentos de
espiritualidade, tanto dentro como fora da Igreja
Católica, não estão enraízadas
na verdadeira e fundamental fé cristã.
A Introdução à Vida Devota apresenta
um método seguro e eficaz para o seguimento
de Cristo. Não apresenta uma teoria sobre o
tema da espiritualidade, mas sim um método.
Como uma “Introdução”, Filoteia
pressupõe um processo dinâmico que leva
à uma meta clara, meta de toda vida cristã:
santidade de vida, união com Deus e amor mútuo.
Portanto, não se trata de uma espiritulidade
“líquida”, “fluída”,
ou sem rumo. Propõe um método já
provado, cuja eficácia se pode perceber na
vida do próprio autor, e na experiência
de inúmeras pessoas que já guiaram suas
vidas por esse método.
Lembrar que a santidade de vida é um chamado
a toda pessoa humana é um dos pontos centrais
nos ensinamentos de Francisco de Sales. Chamados à
santidade são as pessoas em todos os estados
de vida (conforme Introdução à
Vida Devota) e pessoas com qualquer tipo de personalidade
(conforme Tratado do Amor de Deus). União com
Deus e fidelidade à vontade de Deus podem ser
vividas por todas as pessoas e em quaisquer circunstâncias:
no templo, no trabalho, na rua, em casa, na escola,
diante da internet, etc. Francisco de Sales contribui
assim a superar o dualismo entre fé e vida.
Há hoje uma necessidade de guias espirituais.
Sabemos a grande influência de Francisco de
Sales como diretor spiritual na vida de muitas pessoas.
Esse é certamente para nós hoje um meio
poderoso de servir pessoas confiadas aos nosso cuidados
espirituais.
6 – Nosso espírito salesiano capacita-nos
a superar os fundamentalismos, tanto dentro como fora
da Igreja – Testemunhamos em nosso dias que
há no mundo tantas tensões e perseguições
que têm sua origem em grupos com posições
fundamentalistas, que são em geral fechados
a qualquer diálogo, e fazem de tudo para forçar
outros a aceitar seu modo de pensar e agir. A obras
de Francisco de Sales ajuda-nos a experimentar Deus
como o Deus do Amor. Toda severidade e todos os extremismos
estão longe do espírito de sua obra.
A única radicalidade que encontramos nas obras
de Francisco de Sales é a de seguir Cristo
de todo coração, com toda mente e com
toda vontade, que é a radicalidade do próprio
evangelho. Como sabemos, para Francisco de Sales o
método é o da persuasão guiada
pelo amor, e não o da imposição
pela força. Temos, portanto, os princípios
pelos quais podemos positivamente influenciar grupos
que têm posições com tendências
absolutistas e fundamentalistas, tanto dentro como
fora da Igreja. Deveríamos ser capazes de ajudar
a superar a Guerra da exclusão, da imposição
e da intolerância: ‘Minha verdade contra
tua verdade”; ‘Meu Deus contra teu Deus’;
‘Minha moral contra tua moral”…
Deveríamos ser testemunhas da verdade e da
bondade de Deus.
7 – Três atitudes fundamentais: adorar,
acolher e servir – Uma verdadeira atitude de
adoração (de Deus) capacita-nos a levar
o povo às águas puras, à fonte
da salvação (pela prática da
Lectio divina, participando dos sacramentos, liturgia,
retiros, dedicando tempo para a doração).
Se somente refletimos e discutimos o risco é
de afastar-nos da experiência do “primeiro
amor”. Adorar é uma atitude não
apenas de pessoas consagradas (como fazia D. Helder
Câmara), mas é necessidade para manter
a fidelidade à nossa vocação
e missão, à qual temos sido chamados.
Adorar significa: aproximar-nos da fonte de água
pura. Isso é parte da autêntica tradição
religiosa-monástica. Há hoje uma abertura
à adoração em muitos jovens.
Não é suficiente recitar o Breviário…
Acolher – É nossa atitude em relação
aos outros. Nossas comunidades deveriam ser comunidades
humanas e guiadas pelo Evangelho. Isso significa dizer:
acolher, comunicar, partilhar, perdoar. Há
verdadeiro e genuíno desejo de comunidade em
jovens que se aproximam de nós. Em nossa missão
deveríamos ser criativos: visitar pessoas,
indo aonde elas estão, sendo presença
de Deus, como foi Jesus.
Servir (apostolado) – Mt 25 (Deus presente em
cada pessoa), e Jo 13 (lavando os pés) ensinam-nos
a reconhecer Deus presente em cada ser humano, e a
não excluir ninguém do nosso serviço.
Como consagrados somos chamados a ir às margens,
a aproximar-nos das experiências humanas mais
sofridas, e lá sermos servidores.
O tempo de crise pode ser uma oportunidade para a
experiência de nascer de novo (Jo 3: Jesus e
Nicodemos) na fidelidade de servir a Igreja e a humanidade.
O verdadeiro tesouro que temos para oferecer à
Igreja e a todos que servimos é o testemunho
de nossa oblação através de nossos
votos religiosos, vividos na fidelidade e na alegria,
em vida fraterna. Quando o povo vê que nós,
como Oblatos, nos respeitamos e nos queremos bem,
por certo isso é, por si mesmo, uma eficaz
evangelização.