Queridas
Irmãs da Visitação de Santa Maria,
Estimadas irmãs e irmãos em Cristo,
Celebramos hoje, 369 anos após a morte de Santa
Joana Francisca de Chantal, o final do ano jubilar,
o qual foi marcado por muitas celebrações
para recordar os 400 anos de existência da Ordem
da Visitação de Santa Maria, e para
louvar a Deus pela sua existência. Pessoalmente
tive a satisfação de também participar
da celebração solene em Annecy, na basílica
onde repousam os restos mortais de S. Francisco de
Sales e de Santa Joana de Chantal. Essa celebração
ocorreu no último dia 6 de junho, exatamente
no dia dos 400 anos de fundação, a apenas
alguns metros da Casa da Galeria, onde a Ordem teve
seus inícios.
Francisco de Sales inspirou-se na experiência
de Santa Francisca de Roma (1384-1440). Ele conheceu
a vida desta santa ao entrar em contato com a Congregação
religiosa por ela fundada, a qual ele conheceu em
sua visita a Roma, em 1598. Após 40 anos de
vida matrimonial, ela ficara viúva, e fundou
uma Congregação religiosa em Roma para
servir aos pobres e doentes. Essas Irmãs uniam
a vida contemplativa, vivida em vida comunitária
clássica de mosteiro, segundo as regras de
São Bento, e o serviço de caridade aos
necessitados na cidade, que eram tantos, em especial
por causa da peste de 1417-1418. Essa experiência
marcou o então Padre Francisco de Sales, e
provocou nele o desejo de fundar uma Congregação
semelhante.
Em março de 1604 ocorreu o histórico
encontro do então bispo Francisco de Sales
e a viúva Joana Francisca de Chantal em Dijon,
onde ele foi para fazer a pregação durante
uma semana na quaresma. Pouco antes, durante a preparação,
Francisco havia tido uma visão, na qual viu
uma senhora nobre, vestida de preto, andando nas ruas
de Annecy, acompanhada de duas outras senhoras. Era
a visão do início da Visitação.
Como o bispo Francisco e Joana moravam longe um do
outro, estabeleceu-se entre eles, desde então,
um constante contato através de correspondências.
O bispo tornou-se o diretor espiritual da viúva
Joana de Chantal. Uma vez ao ano ela viajava a Annecy
para uma semana de retiro com Francisco de Sales.
Em junho de 1607 o bispo revelou a ela seu projeto,
o qual ele via agora claramente: fundar uma nova Congregação
de Irmãs em Annecy. “Diante desta proposta
– revela Joana Francisca de Chantal –
eu senti de repente uma forte adesão interior,
uma suave satisfação e claridade interior”.
A maior obstáculo para iniciar este projeto
eram seus quatro filhos. O que aconteceria com eles
se a mãe fosse ao convento?
O primeiro passo foi a decisão de que a filha
mais velha, Maria Aimée, iria casar-se com
Bernardo de Sales, o irmão do bispo Francisco
de Sales. Isso aconteceu em outubro de 1609. O filho
Celso Benigno iria ficar sob a guarda de seu avô,
o pai de Joana, e as duas filhas, Francisca e Carlota,
iriam com sua mãe para Annecy. Depois se iria
decidir sobre o futuro delas.
No início de 1610 duas mortes aceleraram os
planos para começar o projeto. Em janeiro daquele
ano faleceu Carlota, a filha mais nova de Joana, com
apenas 10 anos de idade. Um mês mais tarde falece
a mãe de S. Francisco de Sales. Joana apressou-se
em ir a Annecy para estar ao lado de sua filha mais
velha, Maria Aimée, casada com o irmão
do bispo Francisco, e que agora sofria duramente com
a morte de sua sogra. A partida de casa foi dramática
para a viúva e mãe Joana. Seu filho
jogou-se no chão, à frente de sua mãe,
para evitar que ela saísse de casa. Foi para
ele muito difícil ter que renunciar sua mãe
completamente. A mãe teve que passar por cima
de seu filho para alcançar a carruagem, o que
causou a ela lutas interiores de consciência
por algumas semanas.
Finalmente, no dia 6 de junho de 1610, uma semana
depois de Pentecostes, o sonho torna-se realidade.
Na assim chamada Casa da Galeria, em Annecy, é
fundada a nova Congregação. Joana Francisca
de Chantal, Carlota de Brechard e Ana Jaqueline Favre
recebem do bispo a bênção, e também
a primeira versão das Regras da Ordem, com
as palavras: “Sigam este Caminho, minhas queridas
Filhas, e que o sigam todas aquelas que Ele escolheu
para seguir seus passos”.
Nos dias seguintes Joana de Chantal e as demais iniciaram
a rezar a Oração das Horas e a viver
em comunidade. Regularmente o bispo vinha para encontrar-se
com a comunidade e orientar as Irmãs. Em geral
os encontros aconteciam no pátio interno da
Casa da Galeria, eram muito desejados pela comunidade,
e as orientações do bispo ficaram conhecidas
como “Palestras Íntimas”. Num ocasião
ele assim resumiu seu projeto: “A Congregação
tem duas obrigações principais: a primeira
é a contemplação e a oração,
a serem realizadas em Casa; e a segunda, o serviço
aos pobres e doentes, em especial às mulheres;
por isso faz sentido que Nossa Senhora da Visitação
seja escolhida como a patrona”. No dia 1º
de janeiro de 1612, pela primeira vez, as Irmãs
da Visitação saíram da Casa da
Galeria para ir à cidade e visitar e consolar
os pobres e os doentes.
Nos inícios de 1612 Joana de Chantal caiu gravemente
enferma, e pensava-se que sua morte era iminente.
Francisco de Sales abandona tudo nas mãos de
Deus: “Seja feita a tua vontade”. Mas
ela recuperou-se e isso foi um grande alívio
para o bispo.
Não demorou para chegarem outras candidatas,
e em pouco tempo a comunidade cresceu rapidamente.
Já em outubro de 1612 a Comunidade teve que
mudar-se para um mosteiro novo e maior. A Casa da
Galeria já tornara-se muito pequena.
Três anos depois, em 1615, estava previsto iniciar
um mosteiro em Lyon, em outra diocese. Isso iria requerer
a aprovação do arcebispo local, D. Denis
Simon de Marquemont. Ele não estava nem um
pouco satisfeito com as Regras da Visitação.
Ele via um risco para a vida contemplativa o fato
de as Regras permitirem que as Irmãs visitassem
os pobres e doentes. Ele exigiu mudanças, de
modo que as Regras permitissem estritamente a vida
de clausura. Sem essas alterações, ele
não permitiria que houvesse um mosteiro em
sua arquidiocese, e nem permitiria que a nova Congregação
recebesse a aprovação do Papa.
Francisco de Sales viu também nessa resistência
do arcebispo a vontade de Deus, e acolheu as mudanças
requeridas. Uma vida mais restrita de clausura foi
inserida nas Regras, e como base para a revisão
das mesmas Francisco de Sales utilizou a clássica
regra monástica de Santo Agostinho.
Francisco de Sales no entanto manteve-se firme am
alguns pontos essenciais. A Visitação
continuaria acolhendo senhoras com alguma deficiência
física, as quais eram naquele tempo rejeitadas
por outras comunidades religiosas. Além disso,
o mosteiro poderia continuar a acolher senhoras que
desejam passar no mosteiro durante um determinado
tempo, quer seja para encontrar um momento de paz,
quer para receber alimento para sua vida espiritual.
Francisco de Sales e Joana de Chantal poderiam assim
ser considerados os inspiradores da chamada “vida
monástica temporária”. Francisco
pensava que, já que a Igreja não permitia
mais que as Irmãs da Visitação
saíssem do convento para visitar os necessitados,
que elas deveriam, bem por isso, continuar abrindo
suas portas para que pudessem entrar as pessoas que
buscam ajuda. Em todo caso, a possibilidade do encontro
entre as Irmãs e os necessitados estaria garantida.
Se Maria não pode visitar Isabel, ao menos
Isabel pode visitar Maria.
Com essas mudanças nas Regras, a Ordem da Visitação
de Santa Maria foi reconhecida pelo Papa Paulo V,
em 23 de abril de 1618. De ora em diante nada mais
impediria o surgimento de novos mosteiros em qualquer
parte do mundo. E isso não demorou a acontecer.
No momento da morte de S. Francisco de Sales, em 28
de dezembro de 1622, já havia 13 mosteiros.
Dezenove anos mais tarde, quando faleceu Santa Joana
de Chantal, em 13 de dezembro de 1641, já havia
nada menos do que 87 mosteiros, em toda França
e nos países vizinhos. Surgiam, em média,
praticamente quatro novos mosteiros a cada ano.
Muitas vezes ouvimos falar que S. Francisco de Sales
foi precursor do Concílio Vaticano II, especialmente
no que se refere à valorização
da vida dos leigos na Igreja. Hoje creio que podemos
dar um passo adiante. Ao possibilitar, naquele tempo,
o que nós chamamos acima a “vida monástica
temporária”, ele estava oferecendo algo
que em nossos dias está se tornando uma serviço
que está atraindo sempre mais pessoas. Somente
como exemplo, eu gostaria de trazer presente o que
está acontecendo em nossos dias em diversos
lugares na Alemanha. É sempre mais comum ver-se
mosteiros que abrem suas portas para pessoas que querem,
muitas vezes, simplesmente experimentar a paz do silêncio,
ou que desejam passar um dia ou alguns dias em oração,
pessoal ou orientada, ou mesmo fazer um retiro espiritual.
O que se observa é que, enquanto que em muitas
paróquias os templos estão se esvaziando
sempre mais, casas de Congregações Religiosas
e mosteiros estão sendo buscados e frequentadas
pelo povo. Assistimos hoje, por parte de muitos cristãos,
uma atitude de resistência diante do poder,
da hierarquia, da estrutura da Igreja em geral, mas,
não resistência diante da dimensão
espiritual. É claro que há aqueles que
jogaram fora a água suja e também a
criança. Mas há muita busca para salvar
a criança, a vida humana, protegê-la,
alimentá-la de um alimento que dura para sempre.
Há, sim, na sociedade de hoje, muita abertura
para a dimensão espiritual da pessoa humana.
E é certamente aí que nós, membros
da grande família salesiana, temos muito a
oferecer. Somos filhos e filhas de um grande pai espiritual,
S. Francisco de Sales, que marcou a Igreja no seu
tempo, e que oferece-nos um tesouro, o qual não
temos direito de guardar somente para nós mesmos.
É um tesouro que pertence à Igreja,
e é nossa missão hoje levá-lo
aos corações famintos e sedentos.
A vida contemplativa é hoje um oásis
num mundo deserto, uma certeza de que a água
pura e cristalina que buscamos existe e pode ser encontrada.
Na atual sociedade urbanizada, marcada pelas facilidades
de comunicação que a tecnologia atual
possibilita, há muitos que estão bastante
conectados, mas experimentam a solidão. A conexão
e a constante intercomunicação entre
as pessoas não as faz necessariamente sentir-se
em comunhão. A comunicação na
maior parte das vezes é marcada pelo seu caráter
empresarial, comercial, profissional. De outro lado,
a dimensão pessoal, interior da pessoa humana,
é muitas vezes isolada e abandonada. Há
uma sede de comunicação a nível
mais profundo, de pessoa a pessoa, de partilha de
vida, de busca do sentido mais profundo da existência.
Há necessidade de uma comunicação
coração a coração. E,
como vocês sabem, é justamente nisso
que São Francisco de Sales e Santa Joana de
Chantal nos ajudam. Há uma sede de busca de
uma água mais pura, mais cristalina, que somente
Deus nos pode oferecer.
A existência da vida contemplativa tem uma força
protética no mundo de hoje. O vosso silêncio,
queridas Irmãs contemplativas, fala alto ao
coração de muitas pessoas. A Igreja
precisa da vossa existência e do vosso testemunho.
O mundo precisa deste oásis que vocês
representam e que vocês são.
Que nosso Bom e sempre Amável Deus as abençoe,
as mantenha fiéis em Seu amor eterno, e lhes
conceda a graça de vocações para
continuar vossa missão na Igreja e no mundo.
Deus seja bendito!