Imagens em Vida
09 - Miguel e Pe. Carlos em visita ao Haiti.
Veja o emocionante relato e algumas fotos desta viagem
V+J
Prezados coirmãos e amigos!

Miguel e eu estávamos um pouco apreensivos quando saímos de Porto Alegre rumo a Porto Príncipe. Partimos em vôos diferentes até Miami (EUA). O aeroporto de Porto Príncipe continua fechado. Então fomos de Miami até Sto Domingos, na República Dominicana, para de lá ir até o Haiti. Dormimos uma noite na casa de retiro San Pablo e no outro dia, as 6hs da manhã, partimos de ônibus para a capital do Haiti. Foi uma viagem cansativa de 12hs num grande calor. O Ônibus estava lotado de haitianos, de médicos e engenheiros estrangeiros que ia prestar solidariedade ao povo haitiano.
Chegamos em Porto Príncipe(Pétion Ville) às 19hs. Os escolásticos Lionel e Moïse estavam lá para nos acolher. Logo tomamos um “tap-tap” e descemos até a nossa casa no bairro Turgeau. Era escuro. Não tinha eletricidade, mas mesmo assim era visível a destruição de casas e prédios. Havia tijolos e pedras pelas ruas e o motorista da “tap-tap” tinha que fazer desvios.
Foi com alegria e emoção que chegamos em nossa casa. Logo vi no pátio uma barraca de famílias dos escolásticos e vizinhos que perderam suas casas. Aos poucos cada um foi relatando o que sentiu e vivenciou com a catástrofe. Jantamos e logo fomos dormir pois estávamos cansados. Percebi que todos foram dormir, no pátio, ao relento, inclusive o Pe. Tom Moore. Só Miguel e eu ficamos dormindo dentro de casa. A razão disso é que todos estavam com medo de dormir no quarto. O trauma do terremoto estava no rosto, nos olhos e no jeito de se comportar de cada um. Miguel e eu não estávamos com medo, talvez, porque não passamos pela triste experiência.
E assim foi todas as noites. Eu saí de lá com esta pergunta: Quando eles vão voltar para dentro de casa?
No dia seguinte, logo após a meditação, após a missa e após o café da manhã, Mardochée e eu fomos para a embaixada brasileira. Nos direcionamos para o prédio em Pétion Ville, mas a embaixada não estava mais lá. O prédio de 7 andares estava com grandes rachaduras em todos os andares. Ele não chegou a cair mas ninguém estava lá dentro. Uma placa nos indicava o novo local onde estava funcionando a embaixada.
Estava numa pequena casa, ao lado de uma praça, lotada de barracas e muitas pessoas feridas. Caminhamos até lá e entramos em busca do Cônsul Ivani que eu já o conhecia. Expliquei a nossa proposta de encaminhar os 7 escolásticos para o Brasil para continuar os estudos de Teologia. Ele imediatamente começou a encaminhar os vistos para eles virem ao Brasil. Ainda não tinha em mãos todos os documentos mas mesmo assim ele aceitou o pedido. Mardochée eu ficamos lá preenchendo os formulários e outros documentos até as 17hs. Todos os escolásticos também chegaram no fim da tarde para assinar o pedido do Visa. Tudo foi encaminhado.
Chegamos em casa, a tardinha desta sexta-feira. Ainda deu tempo para visitar a Igreja São Luis Rei da França que fica ao lado de nossa casa. Esta Igreja ficou completamente destruída como a maioria das Igrejas Católicas. O Pároco estava lá e nos disse que retiraram 8 corpos de dentro da Igreja. Eram alguns membros do Apostolado da Oração. Todos morreram. Não precisava muitos esforços para ver que em frente e ao lado da Igreja era só destruição. Em frente estava um hospital de Maternidade de 4 andares. Nenhum corpo tinha sido retirado, todos ainda estavam lá nos escombros (médicos, enfermeiras, crianças e mães). Era possível sentir, mesmo um pouco distante, o mau cheiro dos cadáveres. Ao lado da Igreja estava a Casa de Acolhida dos Padres Monfortains.
Parte desta casa de 3 pisos caiu em nosso terreno. Nesta casa morreu o Mestre dos Noviços que eu o conhecia também nos encontros dos formadores.
Bastaram estes poucos metros ao redor da casa para ver a destruição e a dor dos haitianos. Estávamos de novo no nosso pátio e logo fomos jantar e depois dormir. Eu estava um pouco com a cabeça “atormentada”.
No sábado dia 06, logo após a meditação, missa e café da manhã, Miguel, Mardochée e eu fomos visitar o CIFOR e a Igreja Sagrado Coração de Jesus. Aí a dor foi grande. Primeiramente tiramos fotos em frente da Igreja que ficou completamente destruída. É aquela Igreja que apareceu na TV várias vezes por causa do crucifixo que ficou de pé. No outro lado estava o CIFOR onde morreu a Dra. Zilda Arns. Tudo estava destruído. Eu tinha entrado várias vezes no CIFOR. Vimos onde morreu a Dr. Zilda Arns, os 9 seminaristas Monfortains e tantos outros. Os 9 seminaristas Monfortains estavam dentro de uma VAN prontos para voltar para casa. Participaram da palestra de Dr. Zilda, como também todos os nossos escolásticos. Honoré estava ao lado de Dr. Zilda e se salvou por um milagre. Vimos e fotografamos a destruição. Ao lado tinha também um colégio. Ainda tem crianças e professores que não foram resgatados. O mau cheiro também apareceu. Aos poucos fomos nos retirando e voltamos para casa. Era triste ver um supermercado onde fazíamos as compras e que estava totalmente destruído. Era só olhar para todo o lado e ver casas destruídas e pessoas morando e vivendo nas ruas e praças.
Chegando em casa tivemos uma surpresa. Honoré nos mostrou a “bolsa” da Dr. Zilda Arns. Ele estava conversando com ela. Neste instante ela entregou sua bolsa a ele e começou a escrever o endereço de Honoré em sua agenda e, de repente, tudo caiu. Honoré saiu correndo com a sacola na mão. Dentro dela está seu passaporte, celular, dinheiro, agenda, material em Cds para os cursos que ela iria dar em Porto Príncipe, máquina fotográfica digital e tantas coisas mais que uma mulher carrega dentro da bolsa. O que fazer com esta bolsa? Miguel e eu decidimos de trazer para o Brasil. Então tive a honra de carregar comigo a bolsa da Dr. Zilda Arns. Chegando em Viamão, telefonei para a sede da Pastoral da Crisnça em Curitiba. Amanhã ou depois eles vêm buscar. O escolástico Honoré foi a última pessoa a falar com a Dr. Zilda antes de sua morte.
Ele se emociona cada vez que fala deste fato. Ele já se comprometeu que ao chegar ao Brasil vai ajudar a Pastoral da Criança, compromisso esse que já estava assumindo no Haiti.
No sábado a tarde Miguel e eu fizemos dois encontros com os formandos: um com os escolásticos e o outro com os postulantes. Foi um momento para ouvir, não somente com os ouvidos, mas também com o coração. Todos partilhavam, em detalhes, a experiência triste que fizeram. Além disso, Miguel e eu dávamos uma resposta de esperança e de solidariedade. Explicávamos o projeto de retornar ao Brasil e o projeto de continuidade de nossa missão no Haiti. Apesar da dor e do sofrimento de todos, era possível também perceber a coragem e o entusiasmo de continuar o processo de formação à vida religiosa oblata. Todos os 19 aspirantes associados estão na casa de seus familiares e alguns postulantes também.
No domingo pela manhã fomos rezar missa em Cite Soleil, não na Capela Santa Anna, como era costume em cada domingo, mas no pátio da escola Santa Anna. O motivo da troca do local se deu pelo fato que a Capela sofreu rachaduras. Fomos de “tap-tap” até lá. Tinha muita gente na missa. Por um lado tive a alegria de rever as lideranças e membros desta comunidade e de concelebrar a missa com Pe. Tom Moore e Pe. Tom Hagan. Por outro lado senti a tristeza de passar pela frente da Igreja Matriz da Paróquia de Cite Soleil e do Colégio Paroquial da Paróquia Imaculada Conceição que ficaram destruídos. Depois da missa passei no prédio do posto 2 da Minustah onde morreram 12 soldados brasileiros.
Depois da missa passamos na casa da Hands Together, na Delmas 31. Foi muito triste ver a casa destruída onde moravam os 21 associados aspirantes e o Pe. Tom Hagan. Tive a sensação que uma bomba explodiu nesta casa e na casa dos vizinhos. Mas o mais triste ainda foi ir até o fundo do pátio para ver o buraco onde foram sepultados os 2 aspirantes associados. Tiramos fotografias e depois rezamos e choramos ao lado dos dois que ali foram sepultados. A família de um mora ao norte em Cap. Haitien e a família do outro mora ao sul, em Jeremie. As fotos que tiramos vão ser reveladas e enviadas as famílias que estão pedindo algo para ficar como recordação de seus filhos.
Depois do almoço fomos visitar a Casa de Formação São Francisco de Sales, na Delmas 33. Era lá que eu morava com 12 postulantes e 2 escolásticos. Os muros estavam caídos. A casa teve grandes rachaduras. A casa foi abandonada logo após o 2º terremoto. Não entramos na casa porque estávamos um pouco com medo. No pátio tem umas 10 famílias morando debaixo de barracos ou ao relento mesmo. Quase não acreditei no que estava vendo, pois no início do mês de dezembro quando viajei para o Brasil, tinha deixado uma imagem bem diferente.
Olhei no outro lado da rua e vi um prédio de 3 andares completamente destruído. Neste prédio tínhamos visto a possibilidade de alugar 4 quartos, no mês de agosto, quando estávamos procurando casa para alugar. E eu me lembrei e expressei a mim mesmo: “Desta vez, Deus nos livrou mais uma vez...”
Ainda estava no roteiro desta tarde uma visita no centro da cidade. Bem, neste local, prefiro não comentar muito. Ver a Catedral, a Cúria Arquidiocesana, o Palácio Nacional, etc, tudo destruído... Tudo em ruínas... Alí morreu o arcebispo....O centro foi um dos locais mais atingidos.
No domingo a noite, os formandos prepararam um jantar festivo. Celebramos o aniversário do postulante Dalo. Jantamos um pouco mais tarde. Era um sinal de que há o desejo e a intenção de tornar a vida como era antes. Conviver em comunidade. Brincamos, comemos e festejamos. O pároco, nosso vizinho e mais um padre diocesano vieram jantar conosco.
As rezas e as missas são intensas. O povo reza muito. Ao lado de nossa casa, membros da Paróquia São Luis, rezam todas as tardes. Cantam, rezam e choram ao mesmo tempo. É a dor deles que se envolve com a dor de Jesus na Cruz. É a expressão de uma fé em Deus que nos ama e nos ama ainda mais na dor e nas dificuldades. Deus não os abandonou. Eles louvam a Deus porque estão vivos. Isso mexeu muito comigo.
Chegando em casa, de volta ao Brasil, tive a grande e alegre notícia que os 7 escolásticos já receberam o VISA para vir ao Brasil. Então já encaminhamos o bilhete da passagem de avião.
Eles vem pela República Dominicana. Saem de Santo Domingo no dia 16 de fevereiro, a tardinha, e chegam em Porto Alegre no dia 17 as 14:40hs. As aulas na ESTEF recomeçarão no dia 18 de fevereiro.
E assim a vida vai continuar. O ideal era deixar todos os formandos haitianos lá e reconstruírem seu país. Mas o real nos aponta para outros caminhos. A proposta é que os postulantes e os associados-aspirantes se unam neste ano num projeto de reconstrução juntamente com os dois Oblatos que moram lá (Tom Hagan e Tom Moore). A formação dos 7 escolásticos haitianos aqui no Brasil ficará voltada para nossa missão no Haiti. Assim, eles poderão, no futuro, assumir do jeito haitiano, nossa missão oblata neste país que clama por paz e justiça.
Louvo e agradeço a Deus por mais esta experiência que fiz. Deus age! Deus fala! Mesmo aonde nós não gostaríamos... Apesar das dificuldades nesta longa viagem de ida ao Haiti, TUDO DEU CERTO....

Padre Carlos osfs
DSB